05 dezembro 2025

Psicanálise: De Freud à Lacan

 


Psicanálise: De Freud à Lacan


Resumo: Este estudo oferece uma visão introdutória da psicanálise, ressaltando as contribuições pioneiras de Sigmund Freud e a releitura estruturalista de Jacques Lacan. Analisa-se a formação do campo psicanalítico a partir da noção de inconsciente, dos dispositivos de defesa e da sexualidade infantil, para então discutir a guinada lacaniana que insere o sujeito no universo da linguagem e do Outro. O objetivo é expor, de maneira resumida, a evolução de alguns fundamentos dessa disciplina, cujo legado continua indispensável para compreender a subjetividade contemporânea.


Palavras-chave: Psicanálise. Freud. Lacan. Inconsciente. Linguagem.


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Introdução


Desde sua criação por Sigmund Freud no final do século XIX, a psicanálise consolidou-se não apenas como prática clínica, mas também como uma teoria inovadora sobre a condição humana. Seu núcleo – o inconsciente – provocou uma transformação comparável às revoluções de Copérnico e Darwin, ao deslocar a suposta supremacia da consciência e revelar as forças ocultas que orientam pensamentos, afetos e condutas. Este artigo busca percorrer, de forma breve, o desenvolvimento de alguns eixos centrais da teoria psicanalítica, partindo das formulações originais de Freud até as reelaborações de Jacques Lacan, que reinterpretou a psicanálise à luz da linguística e da antropologia estrutural. Apesar das diferenças marcantes entre os dois, ambos compartilham o compromisso de desvendar a lógica singular do sujeito do inconsciente.


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1. O Núcleo Freudiano: Inconsciente, Sexualidade e Repressão


Para Freud, a revelação do inconsciente é o fundamento sobre o qual toda a psicanálise se sustenta. Ele o concebe não como simples depósito de lembranças esquecidas, mas como um sistema psíquico ativo, regido por leis próprias (processo primário: condensação e deslocamento), cujos conteúdos (desejos, pulsões, representações) são mantidos fora da consciência pelo mecanismo da repressão (Verdrängung). O sintoma, o sonho, o ato falho e o chiste constituem “formações de compromisso” entre um desejo inconsciente inaceitável e as forças defensivas do eu. Como afirma Freud (1900/1996, p. 607), “a interpretação dos sonhos é a via régia para o conhecimento do inconsciente na vida psíquica”.


Outro ponto decisivo da teoria freudiana é a noção de sexualidade infantil e sua organização em fases (oral, anal, fálica). A sexualidade é entendida em sentido amplo, como pulsão (Trieb) voltada à busca de prazer, e seu desenvolvimento é crucial para a constituição da personalidade. O complexo de Édipo ocupa o centro dessa teoria, descrevendo a triangulação desejo-rivalidade-identificação com os pais, cuja resolução (ou fracasso) marca de forma definitiva a vida psíquica. As defesas do ego, como a projeção, a formação reativa e a sublimação, surgem para lidar com os conflitos inerentes a esse processo.


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2. A Virada Lacaniana: O Inconsciente Estruturado como Linguagem


Jacques Lacan, retomando Freud, propôs um “retorno” às descobertas fundamentais, reinterpretando-as com os instrumentos conceituais da linguística de Saussure e Jakobson, da antropologia de Lévi-Strauss e da filosofia. Sua tese mais célebre afirma que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” (LACAN, 1998, p. 203). Isso significa que o inconsciente opera por mecanismos análogos aos da linguagem – a metáfora (equivalente à condensação) e a metonímia (equivalente ao deslocamento). O desejo, portanto, inscreve-se numa cadeia significante e é sempre desejo do Outro.


Lacan (1998) organiza a experiência humana em três registros fundamentais: o Real (o indizível, o traumático, fora da simbolização), o Simbólico (a ordem da linguagem, da lei, das estruturas sociais que antecedem o sujeito) e o Imaginário (a ordem das imagens, das identificações e das relações duais, como a captura narcísica no estádio do espelho). O complexo de Édipo é reinterpretado como a entrada plena do sujeito na ordem simbólica, mediante a internalização da Lei do Pai (Nome-do-Pai), que interdita a fusão imaginária com a mãe e possibilita a assunção de uma posição desejante.


Diferente de uma psicologia centrada no ego, Lacan desloca o foco para o sujeito do inconsciente, barrado ($), cindido pela linguagem. O eu (moi) é uma construção imaginária, lugar de ilusão de autonomia e unidade. A análise, nessa perspectiva, não busca fortalecer o ego, mas permitir ao analisante reorganizar sua história e assumir seu desejo, por meio da fala e da decifração dos significantes que o estruturam.


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Considerações Finais


A psicanálise, inaugurada por Freud e radicalizada por Lacan, constitui um campo teórico complexo e em permanente diálogo com outras áreas do saber. Se Freud descobriu o território do inconsciente e mapeou suas dinâmicas pulsionais e conflitivas, Lacan forneceu as ferramentas para compreendê-lo como efeito da estrutura simbólica que nos atravessa. A transição de um modelo energético-biológico para um modelo linguístico-antropológico marca uma evolução teórica profunda, sem abandonar o núcleo da experiência clínica: a escuta do singular.


Ambos os pensadores legaram uma visão descentralizada do homem, um sujeito não mais soberano em sua própria casa, mas constituído por forças que lhe são estranhas e, ao mesmo tempo, íntimas. A psicanálise permanece, assim, como disciplina indispensável para interrogar os mal-estares da civilização e as vicissitudes do desejo humano, sustentando que o caminho para uma existência mais autêntica passa pelo árduo trabalho de confrontar e elaborar aquilo que, em nós, insiste além da vontade consciente.





Considerações Finais


A psicanálise, inaugurada por Freud e radicalizada por Lacan, constitui um corpo teórico complexo e em constante diálogo com outras áreas do saber. Se Freud descobriu o continente do inconsciente e mapeou suas dinâmicas pulsionais e conflitivas, Lacan forneceu as ferramentas para compreendê-lo como um efeito da estrutura simbólica que nos habita. A passagem de um modelo energético-biológico para um modelo linguístico-antropológico marca uma evolução teórica profunda, sem, contudo, abandonar o cerne da experiência clínica: a escuta do singular.


Ambos os pensadores nos legaram uma visão descentrada do homem, um sujeito não mais senhor em sua própria casa, mas constituído por forças que lhe são estranhas e, no entanto, íntimas. A psicanálise permanece, assim, como uma disciplina indispensável para interrogar os mal-estares da civilização e as vicissitudes do desejo humano, propondo que a via para uma existência mais verdadeira passa necessariamente pelo laborioso trabalho de confrontar e elaborar o que, em nós, insiste para além de nossa vontade consciente.


REFERÊNCIAS


FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. IV e V. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Original publicado em 1900).


LACAN, Jacques. O seminário, livro 5: As formações do inconsciente (1957-1958). Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.


LACAN, Jacques. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.


ZIZEK, Slavoj. Como ler Lacan. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.



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