quarta-feira, 17 de abril de 2013

Os improváveis herdeiros de Margaret Thatcher e o leite derramado

* Pedro Aparecido de Souza

Margaret Thatcher morreu, mas deixou uma grande herança que afeta o mundo até hoje. A primeira e única primeira-ministra da Inglaterra exerceu o seu poder supremo de 1979 a 1990. Mas antes foi líder do Partido Conservador e também foi Ministra de Educação nos anos 1970 (1970 a 1974). Uma de suas proezas foi tirar o leite das crianças acima de sete anos que estudavam nas escolas inglesas, sem o menor constrangimento.

Quando conquistou a posição de primeira-ministra havia uma crise na Inglaterra e ela soube aproveitar a chance, assim como soube aproveitar as descobertas de Petróleo no norte. Margaret Thatcher preservou a moeda - a Libra - e não aceitou que a Inglaterra entrasse na Comunidade Europeia.

Desde sua juventude já estava intimamente ligada ao conservadorismo e foi buscar no austríaco Friedrich Hayek, seu mentor intelectual, o embasamento de todo seu pensamento liberal.  Hayek escreveu O Caminho da Servidão, cujo argumento central condenava a intervenção econômica do governo, em oposição à economia do Estado de bem-estar social keynesiano.

Thatcher levou às últimas consequências o ensinamento de Hayek. Efetuou privatizações em todas as direções. Só preservou o sistema de saúde, que é modelo de saúde pública até hoje. Combateu os sindicatos, em especial a categoria dos mineiros. Retirou direitos trabalhistas, e na prática, extinguiu o salário mínimo. Atacou as greves, criminalizou os Movimentos Sociais, meteu a polícia em cima dos trabalhadores.

Admirava o ditador Pinochet, executor de uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina. Mesmo depois que ele caiu em desgraça, continuou a dar-lhe apoio. Outra ditadura apoiada por Margaret foi a da África do Sul, regime racista que causou, entre outras, a prisão de Nelson Mandela, que ela considerava um terrorista.

Teve o apoio incondicional do Governo de Ronald Reagan, assim como ela apoiou os Estados Unidos, incondicionalmente, pois ambos aplicavam a mesma ideologia econômica capitalista.

A primeira-ministra nunca aceitou a sociedade, a coisa coletiva. Sempre teve dificuldade de entender qualquer coisa, além da pessoa individual. Foi uma escravagista e não libertadora, no sentido que sempre defendeu a exploração do homem pelo homem à máxima potência. Causou desgraças, desemprego aos milhões.

Combateu veementemente o socialismo dos Estados operários burocratizados. Quando terminou seu último mandato, a União Soviética estava desintegrada. E paradoxalmente não queria a unificação das Alemanhas, pois tinha medo de que (como realmente aconteceu) que uma Alemanha unida poderia se tornar uma economia que poderia engolir as outras na Europa.

O descobrimento de petróleo no norte favoreceu muito a administração de Thatcher e ela sempre soube aproveitar estes momentos. Outro aliado acidental foi Galtieri, ditador da Argentina, que se lançou em 1982 na guerra das Malvinas contra o Império Britânico. Após o massacre provocado pela força aérea inglesa, a Argentina se rende e Margareth Thatcher é reeleita em 1983. Esta guerra rendeu lucros políticos para a primeira-ministra e a sustentou até depois da retirada de cena da política.

Uma das muitas marcas de Thatcher foi a desregulamentação do setor financeiro que lá na frente gerou a crise financeira mundial do capitalismo de 2008, pois Reagan, assim como Bush pai e Bush filho, aplicaram a desregulamentação financeira nos Estados Unidos e no mundo. E como o mundo dá voltas, a solução para a crise de 2008, que continua, foi tudo que Margaret abominava: socorrer o capitalismo através do governo. A teoria do Estado Mínimo, a ausência de Estado e a desregulamentação foram jogadas no lixo. Margaret não viu nada disto, pois já estava em estado de demência.

A retirada de direitos trabalhistas e o ódio à classe trabalhadora também trouxe o ódio desta à ex-primeira-ministra. A expansão do método Thatcher trouxe os reflexos da década de 1990 para a América Latina, que, em especial, foi destroçada pelas privatizações, sendo no Brasil representado, na época, por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.

Margaret era a dama de paus nos trabalhadores e, ao mesmo tempo, dama de ouro para os milionários. Depois pagaram o seu serviço e virou Baronesa. Muito justo. Colocou a escravidão na pauta do capitalismo, onde cada trabalhador poderia ser explorado sem dó nem piedade e colocou o mundo nas mãos de cada vez menos pessoas, aumentando a concentração de renda e a pobreza. De cada sete habitantes, um passa fome no mundo capitalista.

Uma pessoa que retirou - derramou -  o leite das crianças, que era insensível (e daí o nome Dama de Ferro), não serve para nada. Sua herança é doentia e não deve ser exemplo para um modelo de felicidade humana. Ela estudou Ciências Químicas e sempre foi ácida com os trabalhadores. Já para os milionários e bilionários ela foi base para acúmulo de fortunas.

Leite Derramado, por coincidência, é o livro de Chico Buarque de Holanda, publicado em 2009, onde a decadência da burguesia é narrada por Eulálio, personagem do livro. No livro, o ódio dos ricos em relação aos negros e pobres é realçado e, assim como Margaret derramou o leite das crianças, o Leite Derramado, retrata o mesmo ódio da burguesia contra os pobres, que continua a atravessar os séculos. O capitalismo tem nojo de pobre, em que pese que necessite deles para fabricar os bilionários. Margaret encarnou muito bem isto.

E a história não dá tréguas: o enterro de Margaret Thatcher foi pago pelos Trabalhadores da Inglaterra através do dinheiro público de um país que atualmente atravessa uma grande crise do capitalismo, assim como em toda a Europa.

Na sua morte, e durante o enterro, os miseráveis e milionários choraram por ela: aqueles, de raiva, e estes, de saudade. Margaret terminou a sua saga em 1990, com desprestígio e com o desprezo do povo. O desemprego aumentou aos milhões diante da sua defesa intransigente do capitalismo selvagem, do Estado Mínimo. As pessoas foram para as ruas para festejar a morte da inimiga da classe trabalhadora - a morte daquela que trouxe o desemprego para milhões de lares na Inglaterra e no mundo.

Choram os herdeiros da escravidão total para o trabalhador e da liberdade total para os ricos, de Hayek e Margaret: Instituto Millenium, Mises, Veja, Abril, Época, Globo, Folha, Estadão e tantos outros pelo mundo afora.

Mas Margaret Thatcher é a melhor inimiga. Sem rodeios, sem falsidades, sem máscaras. Nunca escondeu seus propósitos, sempre defendeu seus ideais escravagistas. Uma inimiga dos trabalhadores, sem retoques.

A herança de Margaret Thatcher se divide em duas fases. A primeira ocorreu na década de 1990 com as privatizações mundiais e a entrega da coisa pública para os capitalistas. A segunda fase ainda está ocorrendo desde a década de 2000. Esta é fase mais difícil de ser combatida, por ser camaleônica e possuir os sucessores mais improváveis.

Vejamos. Depois de Margaret, os Trabalhistas viraram seus sucessores na Inglaterra defendendo um capitalismo com retirada de direitos, privatizações e criminalização dos Movimentos Sociais. E no Brasil, seus herdeiros foram o PSDB de FHC, Serra, Alckmin e Aécio. Tudo isto na primeira fase dos sucessores de Thatcher.

A segunda fase tem, tristemente, o PT de Lula e Dilma no Brasil. Os sucessores improváveis de Thatcher.

A prova? Margaret não teve coragem de privatizar a saúde na Inglaterra. O PT teve esta ousadia. Hoje o SUS é administrado por OS - Organizações Sociais. Os hospitais universitários estão sucateados. Nem Margaret teve a ousadia que o PT teve.

Nem os primeiros sucessores de Margaret tiveram a ousadia de retirar direitos previdenciários como fez o PT na era Lula (o maior ataque aos direitos previdenciários no país) e depois a consumação com Dilma da instalação do Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp), outro ataque enorme à classe trabalhadora, em especial aos servidores públicos. A manutenção do fator previdenciário por Lula e Dilma, que foi criado por FHC, foi outro ataque frontal aos trabalhadores. Com o PT no poder a polícia continua a bater nos trabalhadores. A criminalização dos movimentos sociais, estudantis e a criminalização da greve continuam a todo vapor.

As privatizações que foram levadas a cabo por Fernando Henrique do PSDB (primeira fase) tiveram a continuidade com o PT de Lula e Dilma. A Vale, a Embraer, siderúrgicas, as empresas telefônicas, as empresas elétricas, tudo o que foi privatizado continuou intocado com o PT.

E o governo do PT foi além. Manteve todas as privatizações de FHC – PSDB e continuou a privatizar: os Correios através das franquias, a Petrobrás através dos leilões de poços de Petróleo (Eike Batista), as rodovias, portos e aeroportos foram privatizados com o PT. As concessões de rádio e televisão continuaram intocadas. Os bancos nunca ganharam tanto dinheiro. Acabou-se a possibilidade de uma reforma agrária mínima.

Ou seja, o que Margaret Thatcher sempre sonhou e executou na Inglaterra, aqui no Brasil, Fernando Henrique do PSDB executou com brilhantismo a primeira fase.

Com maior brilhantismo ainda o PT executou, e continua executando, a segunda fase: privatizações, criminalização dos movimentos sociais, criminalização da greve, congelamento de salários, perseguição aos servidores públicos, retirada de direitos dos trabalhadores, retirada de direitos previdenciários empurrando os trabalhadores para o sistema previdenciário privado, privatização do SUS e da saúde pública através das OS - Organizações Sociais e planos privados de saúde, violência policial contra os trabalhadores, invasão de outro país (Haiti), Estado Grande para os milionários (Eike Batista, Friboi e outros) e Estado Mínimo para os trabalhadores (bolsa família). Tudo isto era o sonho e a realidade de Margaret, exceto a bolsa família.

A diferença da primeira fase para a segunda foi prevista por Margaret Thatcher.

Ela retirou o leite das crianças. Foi o que os herdeiros da primeira fase fizeram. Os herdeiros da segunda fase foram mais inteligentes: deram o leite para as crianças e até para os adultos (bolsa família).

Quando Thatcher retirou o leite das crianças, o povo condenou a atitude e isto causou um grande estrago político para a sua vida política, em que pese que ela nunca tivesse esta preocupação com desgaste político. Margaret comentou sobre o erro que cometeu ao retirar o leite das crianças: "Eu tinha incorrido no máximo de ódio político pelo mínimo de benefício político." Ou seja, não compensava tirar o leite das crianças para o desgaste que sofreu.

Chorar sobre o leite derramado? Que nada. Margaret deve estar sorrindo (se é que ela sorriu alguma vez), pois seu legado segue nas mãos daqueles que um dia ousaram dizer que defendiam os trabalhadores.

Triste, mas verdadeiro. Margaret Thatcher vive! Desgraçadamente, encarnada em partidos e pessoas que diziam combatê-la. Herdeiros improváveis, mas reais.

* Pedro Aparecido de Souza é servidor público no Judiciário Federal e militante sindical.

17.04.2013

www.pedroaparecido.com.br


Artigo publicado no portal da CSP-CONLUTAS: www.cspconlutas.org.br, em 18 de abril de 2013.

http://cspconlutas.org.br/2013/04/os-improvaveis-herdeiros-de-margaret-thatcher-e-o-leite-derramado-por-pedro-aparecido-de-souza/



========================================

Nenhum comentário:

Postar um comentário